FREDERICO FILIPPI: KM 260 DA BR 319
O trabalho de Frederico Filippi geralmente opõe elementos de universos diferentes, compondo um arranjo de tensão da realidade dada. Agora ele volta para a região do KM 260 da BR 319, no Amazonas, onde trabalha junto à COOPMAIA (Cooperativa de Manejadores do Igapó Açu) e à Casa do Rio. Atuando na região desde 2016, o artista já participou da construção da Escola do Igapó e agora faz parte do desenvolvimento da Movelaria do Igapó, uma iniciativa de geração de renda, permanência e autonomia através do manejo e beneficiamento de madeira.
Frederico atua como um pêndulo, ora no ateliê, ora em campo, e é comum para o artista se envolver com mutirões e em projetos comunitários, segundo ele, “apenas para estar no seu lugar de interesse, aportando algum trabalho para aquele contexto específico”.
“No caso do Igapó, o plano de asfaltamento da estrada vai deslocar obrigatoriamente todas as famílias para longe do rio, onde vai existir uma ponte. Os esforços são de reorganizar e garantir a permanência e condições de vida das famílias da região.
Onde existem estradas na Amazônia, existe essa tensão. Por outro lado, existe uma reivindicação pelo direito de acesso, de ir e vir. Como todas as questões lá, existe uma complexidade. Essa multiplicidade de lados existentes dessas tensões faz parte do meu trabalho, estar lá trabalhando ajuda a absorver as ambiguidades.
A fronteira é um lugar de atrito. Existe um movimento de avanço e resistência, quase escultórico, que envolve as coisas, as pessoas, os espaços e o imaginário entre as duas pontas.”
O artista afirma que é um filho deste lado da fronteira, da indústria, do asfalto. Mas transitar daqui pra lá é parte do seu pêndulo.
“Não é uma questão específica da Amazônia, poderia ser o momento da invasão da América séculos atrás, ou o desgaste de uma rocha para sacar pranchas de milhões de anos de geologia para pias e bancadas de cozinha. O que me interessa é esse desgaste da extração, estou lá por um sonho que tive de ir e fui ficando e trabalhando. Eu preciso estar lá tanto quanto preciso estar de volta num ferro velho.
O tipo de conflitos e contradições que existem no avanço sobre a floresta me deixam ainda confuso, porque se quer parar a serraria de madeira mas não quer que acabem os móveis modernistas de madeira maciça nos bairros nobres que bradam contra o desmatamento. Existem tensões, ambições, necessidades das pessoas; o asfalto é desejado por lá assim como a castanheira é desejada de pé, a internet é desejada como a água sem mercúrio também é. Qual é a medida desse encontro? Existe uma acomodação possível? Essa mensagem está sendo lida em uma tela, essas telas precisam de minérios, a pressão que há não é somente dessas entidades maléficas do poder, é do hábito generalizado, da gente. Entre os inimigos, nós estamos inclusos na frente.”
“O extrativismo vai além do recurso natural, é uma prática de desgaste, de atrito de coisas sobre pessoas, discursos sobre lugares e lugares sobre coisas. O campo da arte faz, inclusive, parte do problema. Este trânsito pendular é minha maneira de me mover, de esfregar uma ideia contra outra, um material contra outro.”
A produção mais recente do artista coincide com sua pesquisa sobre o arco do desmatamento.
“O arco é uma metáfora para este avanço, como uma onda que reverbera desde um princípio e vai dando a volta no mundo. Parte dela está nas beiradas do Amazonas, do Pará e de Rondônia.
Ele pode ser entendido como uma continuação da onda maior, que reverbera há alguns séculos, como as navegações que se deram pelas correntes marítimas ou os movimentos migratórios que se expandiam de forma peristáltica pelos terrenos. Avançando e retrocedendo, empurrando com pulso e ritmo. Um organismo digerindo o que o precedia, transformando em construto o ininteligível à frente, uma enzima, quebrando molécula a molécula uma carcaça enorme, sem pressa, deixando resíduos e subprodutos que podemos classificar e que nos servem de nome.”
“Significa pra mim que há uma fricção constante entre o que está antes da convexidade do arco e da concavidade do arco, de pessoas em busca de uma vida boa, tentando existir antes e depois da passagem do arco, de espécies tentando existir antes e depois, de ideias, de materiais que se encontram, se contaminam, dos arranjos.
Nada é muito definido, os contornos do que é o certo ali, pra mim, estão camuflados como estão os animais dentro do labirinto ótico de uma floresta.”
“As ameaças existem, mas às vezes você toma pinga com ela no bar. Tudo que eu esperava ver na Amazônia eu vi tudo ao contrário, nenhuma expectativa minha foi atendida e isso foi o maior aprendizado, e segue sendo. A primeira vez que eu fui lá, um espinho de 5 centímetros de tucumã entrou na minha perna, me deixou manco, porque eu achava que sabia andar na floresta. Fui desumilde, como diz meu amigo lá. E na ocasião o Jorge Menna Barreto, estávamos juntos, escreveu sobre o episódio:
Em um passo para trás, senti uma picada rasgando a minha panturrilha. Picadas também na minha mão enquanto eu perdia o equilíbrio humano e suspendia por alguns segundos a suposta capacidade de ler o mundo ao meu redor. Deus é grande, mas a floresta é maior. Finalmente cheguei.
Aí tive que reaprender a ver tudo lá e, por consequência, aqui. Eu estou preso nisso aí”
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