RAPHAEL ESCOBAR E FREDERICO FILIPPI PARTICIPAM DA EXPOSIÇÃO COLETIVA “DIZER NÃO”
Há uma pergunta insistente martelando hoje na cabeça de artistas, produtores e pensadores da cultura no Brasil: como reagir às barbaridades do presente? Do negacionismo do governo em relação à pandemia às mentiras deslavadas sobre a política ambiental do país; da condescendência com posturas racistas, transfóbicas, homofóbicas e misóginas à tentativa de flexibilização da posse de armas – até quando vamos tolerar que pessoas sejam mortas, pela covid-19, pela violência contra as minorias, pelas políticas ambientais que destroem, com uma canetada só, uma comunidade inteira, ou mesmo pela “insegurança alimentar” (novo nome da fome, velha conhecida do Brasil)?
É possível, neste momento, articular uma resposta crítica a partir do campo da cultura? Voltar a pôr a arte no debate público para que ela talvez consiga fazer, por seu questionamento agudo, pelas imagens que cria, pelos afetos que mobiliza, uma crítica ampla e contundente da situação em que nos encontramos? Como continuar produzindo, exibindo publicamente e financiando os projetos atuais? Como pensar nisso tudo quando, muitas vezes, a própria sobrevivência está em risco? Como trabalhar numa época de isolamento social, em pleno desmonte dos precários modos de financiamento das ações artísticas, num momento em que o governo rotula os artistas de “vagabundos”? Não seria necessário parar tudo, negar-se a continuar, a fazer qualquer coisa, numa espécie de recusa radical de tudo o que esse poder instituído representa?
São estas as perguntas a que este projeto se dirige: pode a arte Dizer Não? O que é viável colocar em marcha hoje? E, como fazê-lo? É possível refletirmos, em conjunto, sobre o que os artistas e demais agentes culturais devem – num sentido ético – fazer ou não fazer? O que cabe a nós nessa situação? Quais os limites de nossas ações?
É nessa oscilação constante, entre o fazer e o não fazer, que este projeto tomou forma. É entre a vontade de lutar e o luto que nos é imposto cotidianamente, entre a aposta na importância das experimentações simbólicas, de linguagem, de pensamento e o confronto com a morte, com a insignificância da vida, que avançamos e retrocedemos. É preciso continuar. Não posso continuar. É preciso continuar. Vou então continuar. Assim mesmo, ecoando as linhas finais de Beckett em O Inominável, que voltamos e avançamos em movimentos oscilantes, ambíguos, atordoados.
Contrariando o discurso que apressadamente decretou a obsolescência das exposições físicas, decidimos tentar mais uma vez. Insistindo na presença do objeto, na possibilidade da fruição corporal, no contato com a matéria. Mesmo num período em que os encontros entre sujeitos tenham de ser rigorosamente regulados. Como organizadores, nós nos propomos a construir, com a ajuda de cada artista que topar a empreitada, duas plataformas complementares: espaço do galpão na Barra Funda e um site. Aqueles que não se sentem inclinados a participar de uma delas podem contribuir com a outra. As declinações deste nosso convite também podem ser compartilhadas publicamente no site, como formas de “Dizer Não”.
Além deste texto, que apresenta os princípios do projeto, gostaríamos de indicar um grupo de obras – algumas bem conhecidas – que foram presentes no processo de construção dessa proposta. Elas serviram como base conceitual e compõem uma espécie de núcleo, lembrando-nos de que aspectos daquilo a que estamos nos dirigindo já apareceram no trabalho de outros artistas. Cildo Meireles, Fiat Lux: o Sermão da Montanha; Francis Alÿs, Paradox of Praxis 1: Sometimes Making Something Leads to Nothing; Jota Mombaça, Veio o Tempo em que por Todos os Lados as Luzes Dessa Época Foram Acendidas; Juçara Marçal, Encarnado e Regina José Galindo, Monumento a las Desaparecidas.
Este não é um convite para participar de uma mostra, mas uma proposta de estarmos juntos. Na medida de nossas próprias limitações e das limitações do tempo em que vivemos. Por meio do projeto tentamos tornar público o que está sendo pensado e produzido nestes tempos sombrios apostando que podemos construir um grande Não em conjunto.
ORGANIZADORES
Adriana Rodrigues, Edu Marin, Érica Burini e Thaís Rivitti
ARTISTAS
Adriano Machado, Ana Dias Batista, André Komatsu, Bertô, Bruna Kury e Gil Porto Pyrata, Cildo Meireles, Clara Ianni, Craca e Raphael Franco, Cuca Ferreira, Daniel Jablonski, Denise Alves-Rodrigues e Pablo Vieira, Edu Marin, Elizabeth Slamek, Fernando Burjato, Flora Leite, Frederico Filippi e C. L. Salvaro, Graziela Kunsch, Isael Maxakali, JAMAC, João Loureiro, Juçara Marçal, Kadija de Paula & Chico Togni, Kauê Garcia, Laura Andreato e MuitasKoisas, Leda Catunda, Lia Chaia, Lícida Vidal, Lucimélia Romão, Marcelo Amorim, MUSEUL*RA, Paola Ribeiro, Rafael Amorim, Raphael Escobar, Regina José Galindo, Rochelle Costi, Shima, Sol Casal, Vânia Medeiros, Wagner Pinto
DESIGNERS
Elizabeth Slamek, Lia Assumpção, Roberta Cardoso
QUANDO
De 22 de Julho a 19 de Setembro de 2021
ONDE
Rua Cruzeiro, 802 – Barra Funda. São Paulo – SP
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