1.000 km, 10.000 anos
Marcelo Moscheta foi o primeiro artista residente na Plataforma Atacama e o segundo a realizar uma exposição com os resultados desta experiência. Moscheta é um artista viajante que percebe suas viagens como uma maneira de levantar elementos para reconstruir cartografias através de lugares que não são dele próprios, e coleta pequenos componentes presentes na natureza para criar suas obras por meio de instalações, fotografias e desenhos. Em seu processo criativo existe sempre um desejo de retratar seus deslocamentos por lugares geográficos distintos através da observação e coleta, se assimilando a um trabalho arqueológico que lhe permite, como artista, capturar e repensar os lugares nos quais esteve.
Sua experiência no Deserto do Atacama se soma a uma série de projetos que se desenvolveram em diferentes paisagens do mundo. A imensidão e aridez do deserto, seu horizonte que se expande e seu céu infinitamente estrelado mostraram para o artista uma conexão direta entre o céu e a terra. As condições tanto geográficas como arqueológicas e astronômicas com as quais conta esta paisagem o incentivaram a desenvolver uma obra que estabelece a comunicação entre o aqui e o infinito a partir de uma perspectiva histórica. Esta experiência as converteram em obras que são uma espécie de notas sobre o universo, tanto da velha história que questiona quem somos e de onde viemos – que se estuda exaustivamente dos céus do Atacama até milhões de anos luz no projeto ALMA – como sobre a origem do ser humano por meio da pedra paleolítica.
A exposição, intitulada 1.000 km, 10.000 anos, alude metaforicamente ao presente e ao passado. Mil kilômeros é a distância percorrida pelo artista desde sua chegada ao deserto do Atacama até seu último deslocamento neste território. Dez mil anos é o tempo em que as primeiras civilizações Licanantai começaram a habitar o mesmo deserto, estabelecendo assim uma relação espaço-temporal em seu modo de ver a paisagem. A terra se apresenta para Moscheta como a representação do passado, da passagem dos ancestrais, da narração de uma história natural que acolhe o homem. É uma espécie de campo de investigação arqueológico onde se desenrolam posições geográficas e cifras numéricas que narram seus ocorridos.
Na obra Linha: Tempo: Espaço, Moscheta apresenta uma acumulação em forma de uma longa linha da mesma rocha replicada muitas vezes em cerâmica – obtida na coleção de pedras e ferramentas paleolíticas da arqueóloga Ana María Barón. Cada uma delas foi catalogada com uma chapa de cobre que registra as coordenadas dos deslocamentos do artista no período de 10 dias em que residiu com base em São Pedro do Atacama. Linha: Tempo: Espaço nasce formalmente de sua experiência in situ no deserto de alinhar rochas no Trópico de Capricórnio, muito próximo ao local onde está instalado o monolito que indica a passagem do caminho Inca . A ação que Moscheta realisa sobre a linha do trópico já não une rotas comerciais, mas posiciona um traçado contemporâneo através de uma estratégia arcaica de fazer o caminho com pedras; se conecta com o passado por um gesto que só ele mesmo presencia.
Na parede ao lado de Linha: Tempo: Espaço está Atacama: 28.04-06.05/2012, um mapa desenhado com grafite sobre PVC expandido que assinala os deslocamentos que realizou e indica a multiplicidade de linhas criadas a partir dos pontos cardeais antes mencionados. Com esta obra o artista mostra uma perspectiva de visão que não é a humana, mas a visão a partir do cosmos.
Do outro lado da exposição se encontra Timelapse, uma pequena caixa com terra, areia e pedras coletadas no deserto do Atacama junto a uma placa que assinala o tempo no qual lá estiveram os primeiros habitantes daquele lugar. Moscheta faz o gesto de guardar a memória deste território como uma espécie de arquivo/registro deste evento. Assim como em algum momento os astronautas deixaram na lua uma placa que marcava sua chegada, o artista, com esta imagem como referência, concentra seu olhar no solo como objeto de estudo e volta a estabelecer um vínculo com os muitos astrônomos que habitam estas terras (projeto ALMA) e que focalizam suas análises na observação do céu, das galáxias e do universo completo.
A obra Timelapse estabelece uma comunicação entre o passado, por meio das pegadas dos primeiros habitantes desta terra, e o futuro, visto através da observação das estrelas como uma espécie de ponte entre o ontem e o amanhã, guardado, selado e registrado, desta vez pelo artista.
Marcelo Moscheta triangula um olhar que é uma intercessão perpendicular da história, com seus pés na terra e olhar para o céu. O horizonte aparece como uma infinitude detida pelas montanhas. A imensidão percebida pelo artista na terra é replicada também no olhar que lança para o céu claro e igualmente infinito. É nele que confluem ambas as percepções, a história da origem, dos ancestrais, da terra e do desconhecido no cosmos, explicando o passado e anunciando o futuro.
Assim como anuncia Patrício Guzmán – documentarista chileno/espanhol – em seu filme Nostalgia da Luz, o deserto do Atacama é uma conexão entre passado e futuro: passado ancestral em um dos desertos mais secos do mundo, cuja característica permite a conservação da história do homem, ao mesmo que é o lugar mais importante do mundo quando se trata da observação de estrelas e galáxias.
Moscheta relaciona ambos os mundos e os enfrenta colocando-os visualmente em diálogo, tentando analizar a experiência dos modos com os quais se habitou e ainda se habita o deserto.
Alexia Tala
Abril, 2013