Urdume e trama (2016)

Oposto, no que diz respeito ao tamanho, ao gigante do Goya que sentado na linha do horizonte em sua placidez ctônica, se faz invisível pela sua mega dimensão, e à imensidão única do Everest que desaparece com o céu dada sua enormidade, a exposição de Marina Weffort também não se deixa divisar no primeiro momento, por ser igualmente presente e fugidia. A experiência é se defrontar com algo cuja presença vai se construindo diante de nossos olhos de forma delicada e gradual.

A apreensão do que pode haver de fantasmático e assombroso no mundo, mas sem, em momento algum, abrir mão dos meios materiais, me parece muito clara quando nos aproximamos dos trabalhos: o movimento do corpo do observador move os fios soltos, nosso olhar é capturado pelas ondas que se tornam visíveis. Se ali permanecemos até que voltem ao repouso, os tecidos parecem se desfazer diante dos nossos olhos, acontece então um jogo de “revelar e esvanecer”.

Sem recorrer a filosofias e contextualizações de discursos artificiais, alheios mesmo ao que se nos mostra, o trabalho de Marina se apresenta, em toda sua sutileza, riqueza e rigor, na articulação da vontade da artista e seu meio de eleição. Os “Tecidos” têm para mim a propriedade de condensar em seu balanço e equilíbrio, em sua diáfana aparência, aspectos fundantes de nossa existência: sua estrutura mesma, onde o urdume – parte vertical e tensa que
dá a estrutura – é atravessado pelos fios da trama, encontram correspondência e são exatamente o que são: a estrutura na qual vivemos e a trama que nela desenvolvemos.

Em um dos trabalhos pode-se ver que sem urdume, sem estrutura, a trama não acontece, ela se derrete, se curva, se dependura nas duas extremidades de seu fim e começo, essa falta de “regra” resulta no escorrimento, no descontrole, belo mas melancólico, que tende ao encontro fatídico das duas extremidades, tudo fica literalmente “ao sabor dos ventos”.

Embora lugar comum, não consigo olhar seus trabalhos sem ver algo de aracnídio: as teias que de maneira eficiente aprisionam os insetos na natureza, aqui resistem à luz e desaceleram sua velocidade, o tempo é refreado – o que aliás sempre acontece quando me vejo diante de um trabalho que me interessa. A sombra móvel das linhas as vezes parecem ter agarrado quadrados e outras formas geométricas, também parecem ter se formado ao longo do
tempo, como a formação de nosso planeta, que segundo uma das teorias, teria se formado da aglutinação de poeira cósmica ao longo de bilhões de anos. Estas sobras do tecido ainda constituído em sua forma original, balançam ao vento junto com os fios que as sustentam, a explicitar fragilidade e potência concomitantes.

Não é apenas por características como leveza e beleza que eles nos seduzem e nos prendem em sua trama, é por conterem em sua constituição, em sua máxima brevidade, coisas que nos pertencem , como um pouco do que intuímos que possa ser, não uma eternidade – parece que perdemos até isso de vista – mas quem sabe alguma bem “longínqua longevidade”.

WMT