O contorno do mundo (2009)

Os trabalhos de Marina Weffort exibidos no Centro Cultural São Paulo dentro do Programa de Mostras anuais organizadas pela instituição paulista voltadas para a nova produção brasileira poderia ser lida como a objetificação do espaço havido entre coisas. Uma espécie de “objeto negativo” que amalgama em si uma visualidade derivada tanto de um olhar moderno construtivista (valeria pensar como a artista lida com o vazio dentro de uma tradição pavimentada por Tatlin e Malevich, com sua teoria do “elemento adicional”) como de uma consciência da tessitura circunstancial e permeada de acidentes do espaço pós-minimalista.

No caso de Marina, observa-se um desenho de volumes. Entenda-se por isso, um desenho de consistência escultural, cuja matéria é a condensação do vazio. Em obras como “Pintura para cavalos”, por exemplo, uma pilha de cartões de ponto cria sua massa seguindo as linhas de contorno de uma ferradura. “Sonar” vale-se do mesmo procedimento, gerando um halo que transformaria hipotéticas ondas sonoras em massa escultórica, o que significaria, pois, a precisão em dar fisicalidade ao invisível. Digno de nota é o fato destas conquistas, apesar da evidente precisão com que a artista da corpo às suas obras, não reclamarem um excesso de solenidade; ao invés, preservam uma sutileza de achados mínimos e irônicos, como se sente por alguns títulos que as nomeiam. Uma fineza de espirito, se é permitida aqui a analogia, tributaria de um Chardin e suas singeries (pinturas cujos personagens eram macacos). Se estamos aqui diante de uma pintura para cavalos, não ha mal nenhum em perguntar se critico-especialista não é uma besta. Claro que ali não ha nada de agressividade vulgar, mas sim uma espécie de “desvio do olhar” tacitamente discreto e potente, ao colocar o espectador diante de uma evidência visual – a estrutura do trabalho é toda externa – e o ligeiro descompasso de seus nomes, que convocam-no justamente a explorar a corporeidade pela qual tais objetos existem e se irradiam. Presentes também na exposição um conjunto de desenhos, a um só tempo projetivos e autônomos, e ainda contrapartidas das peças tridimensionais, uma vez que poderiam ser lidos inversamente como “esculturas gráficas”. E mais uma vez nos deparamos com um título enigmático – “Solúveis” – quando parece termos a frente a liquefação dos sentidos óbvios. Elementar, caro leitor. Por isso mesmo desafiador.

Guilherme Bueno – Centro Cultural São Paulo