Narcisos distraídos

Mariano Klautau Filho

A fotografia de Luiz Braga é reconhecida principalmente por imagens captadas na passagem do dia para noite na qual as nuanças cromáticas recriam o ambiente urbano dos portos, feiras e bairros periféricos das cidades amazônicas. Dentro dessas paisagens coloridas estão os personagens, muito presentes em seu universo poético, fundamentais mesmo quando estão em segundo ou terceiro planos. Porém, antes da cor, há um Luiz Braga que se alicerça no preto e branco e cujos personagens, em primeiro plano, assumem em sua postura uma geografia corporal ligada a certa paisagem mental particular dos habitantes da região. Uma espécie de felicidade secreta. Muitos personagens são flagrados em estado contemplativo, em que o corpo aparece quase relaxado, em momento de ausência que mistura distração e conexão com o mundo, com a paisagem, com as coisas ao redor. Esse modo de olhar do fotógrafo capta personagens em constante estado de sensualidade subterrânea, que não se expõe de modo óbvio, mas se apresenta silenciosamente, atraindo sem provocar. Essa série faz uma síntese especial do universo de Luiz Braga. Imagens não conhecidas da safra de meados dos 80 ao início dos 90 somam-se a outras que tiveram mais visibilidade no mesmo período. Há uma redescoberta tanto de imagens inéditas como da mobilidade sígnica das fotografias já conhecidas. Ao deslocar as imagens de seu lugar de origem, o artista imprime sentido novo num ato de reescrita de sua própria obra. O que acontece nesse encontro de retratos de tempos e lugares diferentes é o retorno ao corpo como cartografia de gestos: da languidez do rapaz apoiado nos sacos de farinha à luz sobre a beleza matinal da menina no balcão da mercearia; da espera no porto – a suavidade da mulher grávida, o charme africano do garoto – ao mundo masculino de jogo e fumaça num bar de Belém. O homem de chapéu de palha que nos enxerga demoradamente nos inquieta porque o enquadramento que encobre metade de seu rosto nos fixa no olhar. Com igual precisão, o corte na imagem da saia, do tênis e do paneiro com frutas extrai o rosto do quadro e traz para a fotografia um grafismo pop, de atmosfera leve. Tudo colabora para que o corpo e o ambiente constituam personagens de forças ambíguas, entre a contemplação distraída e certa atenção característica dos felinos. A sensualidade surge daí, muito mais de uma paisagem mental do que da explicitação dos corpos. Basta observar os pontos de tensão entre a faca ao lado do cigarro e o olhar oblíquo do homem que toma cerveja; ou na incrível figura que bebe água na beirada do rio, como um narciso distraído, desatento – em certo sentido – à sua beleza, pois não olha para o espelho da água, mas à espreita, pronto para se defender no meio da mata. Essa imagem produzida em 2001, em diálogo com o conjunto, atualiza a força expressiva do corpo na fotografia do artista.