Paisagem entre aspas Sandra Gamarra

14/09/2017 - 28/10/2017

Como construtora de imagens em um mundo em que estas se multiplicam constantemente, Sandra Gamarra as recicla e reincorpora para investigar as suas origens e especular sobre seu possível destino. Em sua quinta exposição na Galeria Leme, ela usa o gênero de paisagem ocidental “na arte” para indicar de onde ele vem, o que o caracteriza e quais as suas repercussões sobre a nossa relação com o entorno. Continuando com o seu método de apropriação de imagens e seu questionamento da arte através da pintura, Sandra Gamarra usa o meio através do qual a ideia de paisagem Europeia foi criada com a intenção de revelar o seu suposto realismo e, dessa forma, confrontá-lo com a Natureza.

Desde que a paisagem apareceu como gênero próprio da arte europeia no século XV, este conceito invadiu outras áreas do conhecimento. Fala-se de paisagem social, sonora, visual, econômica, psicológica, como se fossem verdades tangíveis e esquecendo que a paisagem foi construída como uma ilusão, uma aproximação e uma fragmentação da natureza, que em si mesma não procura abarca-la completamente. Ao construir pontos de vista parciais, a paisagem “não traça os contornos ou examina a topografia de seu entorno mas seleciona e reforma naturalmente a natureza para representá-la de forma exemplar”. (Sutton, 1994, O século de ouro da paisagem holandesa, p.16) Deste modo “exemplar”, as paisagens também serviram como certificados de autenticidade. O território era delimitado e domesticado pela pintura. Tal como o mapa, a paisagem serve como ferramenta de relação com o entorno, que o edita e o re-enquadra, a partir de uma perspectiva única.

Por outro lado, a representação da natureza nas culturas pré-colombianas era sempre simbólica e abstrata; não existia, portanto, a ilusão “realista” da paisagem. Em comparação com a lógica cristã que considera que o mundo foi criado por um deus, as culturas pré-colombianas localizam seus próprios deuses na natureza. Essa distinção fundamental em relação à interpretação e à interação com o natural é o produto de uma mentalidade que não tenta dominar a natureza (seus deuses), mas sim é dominada por ela.

Hoje, o Peru, como outras nações da região, exporta-se como uma “terra de paisagens”. Este as instrumentaliza para comercializá-las ou usá-las como símbolos de poder e permanência, fazendo-a circular em notas e moedas, cartões de crédito, condecorações, etc. Esta “paisagem”, que serve como o eixo unificador do Peru, reduziu a natureza, muito mais complexa e sensível, à nossa ação. A incompreensão das consequências ambientais resultantes da exploração dos recursos naturais e do uso do território é uma medida dessa distorção.

Em nossa sociedade, geradora incansável de imagens, a pintura de paisagens pode parecer um gênero obsoleto, relegado a decorar corredores e protetores de tela. Enquanto a fotografia da paisagem assumiu tanta relevância quanto a pintura, popularizando-se através do turismo, da publicidade e das redes sociais, esta manteve a fragmentação e redução que a pintura, da qual é herdeira, construiu como “realidade”.

“Paisagem entre aspas” tem como ponto de partida fotografias de paisagens Peruanas e Brasileiras publicadas na imprensa e reproduções de obras de diferentes períodos, para colocá-las em apoios como espelhos, pinturas antigas e falsas folhas de ouro. Desta forma, a carga simbólica e as propriedades de cada material fazem com que a pintura perca a independência conferida pela superfície branca.

Sandra Gamarra retoma o gênero de paisagem para questionar os elementos que o compõem, apontar as consequências que tem nos nossos modos de pensar e devolver-lhe a aura perdida da falsidade. Deste ponto de vista, pode-se observar as deformações infligidas pelas imagens em nosso raciocínio quando não são usadas para os fins para os quais foram criadas.

 

Antoine Henry Jonquères