Interiores, retratos [e paisagens] Luiz Braga

17/08/2019 - 11/10/2019

A Galeria Leme/AD tem o prazer de anunciar a quarta exposição individual do fotógrafo Luiz Braga em seu espaço. A mostra é acompanhada por texto de Tadeu Chiarelli.

 

Luiz Braga: Interiores, retratos [e paisagens]
Tadeu Chiarelli

“O que me dirige quando observo as fotos de Luiz Braga? Em primeiro lugar, o tratamento que o fotógrafo dá à luz: o que marca seu trabalho, me parece, é a maneira como ele constrói suas imagens pelo contraste (ora sutil, ora marcado) entre a luz artificial e a luz natural, fato que faz gerar uma gama de cores capaz de causar naquele que observa suas imagens, uma sensação de familiaridade e estranhamento. Isso porque é nessa operação que Braga desnaturaliza a “verdade” fotográfica, é quando denuncia sua dimensão artificial.

Há anos o artista aprofunda essa indagação sobre a imagem fotográfica, enfatizando sua construção postiça. Num primeiro momento são notáveis seus esforços nesse sentido, a partir da realização de recortes drásticos nos objetos a serem fotografados, reduzindo-os a formas “puras” e descontextualizadas que enfatizam a lógica interior do enquadramento escolhido, dele retirando os elementos mais notórios do seu tempo e lugar. Camburões coloridos, 1976, é exemplar neste sentido. Ali, o que rege a autenticidade da imagem não é seu contexto: não importa se ela foi feita em Belém do Pará ou em Belém, na Palestina, pois o que conta, no resultado final, é a coerência interna das formas em relação à luz e às cores. Foi produzida em Belém do Pará? Isso é um detalhe “extraquadro”, uma curiosidade para quem gosta de tecer narrativas em volta das imagens.

No transcorrer de sua trajetória enquanto fotógrafo, Braga optou também por outras estratégias, no sentido de desnaturalizar a “veracidade fotográfica”, e um deles foi não seguir as instruções da indústria para o uso de determinados tipos de filmes. Árvore em Mosqueiro, 1991, demonstra bem esse procedimento: produzida em franca desobediência às prescrições da indústria, frente àquela imagem não experimentamos as “cores do norte” ou a “luz de Mosqueiro” etc., mas, sim, a luz e as cores do filme fotográfico instrumentalizadas pelo artista para que a imagem ganhasse autonomia em relação ao referente.

Mas tudo isso foi antes do advento/espraiamento da fotografia digital. Tendo aderido a essa nova tecnologia, como era de se esperar, Braga buscou agregar à sua poética as possibilidades desse novo meio. Assim, se antes o artista conseguia os efeitos tão característicos de suas imagens por meio do uso “indisciplinado” dos filmes à venda nas melhores casas do ramo, a partir de então, ele irá buscar tais resultantes na deturpação dos dispositivos previamente estabelecidos nas câmeras digitais.

Ficaram conhecidas as imagens que Braga produziu usando livremente o procedimento nightvision, transformando, sobretudo a paisagem do Pará, em cenas gélidas e paralisadas no tempo – paródias mais do que irônicas à busca incessante do “very typical”, com o qual muitos fotógrafos ainda querem adjetivar suas produções relativas a um Brasil profundo e de tudo destituído. Igarapé do Macaco, 2007, é um bom exemplo desse momento: uma “típica” paisagem nortista (existe algo mais “nortista” do que um igarapé?) transformada em um lugar álgido, lembrança de uma expedição polar, ou de um sonho quase pesadelo. Paraíso tornado pura distopia, recuperando, assim – e de maneira invulgar –, a necessidade de Braga de, novamente, afastar-se do referente, dificultando a perseverança da crença do espectador no mito da verdade fotográfica.

Luiz Braga: interiores, retratos [e paisagens] se constitui por aquele outro eixo da produção do artista em que a manipulação discreta do meio fotográfico vem apenas realçar a capacidade do artista em operar com a luz e as cores, em situações ora sutis, ora bem marcadas. Para enfatizar essas características a opção foi por retratos e cenas de interior porque é justamente nesses tipos de fotos que o sentimento de comunhão entre o fotógrafo e o indivíduo, ou com o lugar retratado, alcança um dos momentos mais proeminentes da sua trajetória.

Das cenas de interiores foram privilegiadas aquelas em que as pessoas, (quando aparecem), são captadas desenvolvendo atividades, (ou simplesmente em descanso), num primeiro plano mais sombrio, resguardado e o ambiente externo, repleto de luz. Nas cenas vazias, paradoxalmente, a presença dos habitantes dos lugares impregna tudo: a ordenação dos objetos, o cuidado com os mínimos detalhes, tudo recriado pela luz, pela saturação de uma ou outra área da imagem, o que revela, mais uma vez, a empatia do fotógrafo com o entorno e seus ocupantes.

Tal empatia apresenta-se também nos retratos exibidos: neles o personagem surge sempre envolvido numa solenidade grandiosa, mesmo quando parece absorto numa ação ou em um pensamento. Ao retratá-los, Braga como que os abraça em sinal de respeito e comunhão. Porém, mesmo que essa vontade de união tenda a transparecer em todos os retratos, Braga parece não se esquecer de que o que produz não é a mera captação do real, ou de seus sentimentos para com os retratados, mas a recriação de todos esses fenômenos enquanto linguagem.

Creio que nesta exposição o artista é “flagrado” (para usar uma metáfora fotográfica) num outro momento alto de sua carreira, um momento em que sua habilidade ficou revestida de maestria, pelo tanto de trabalho, pelo tanto que usou do seu olhar crítico em relação à imagem fotográfica e sua empatia pelo o que fotografa. Tal maestria, no entanto, não significa cristalização de procedimentos ou acomodação frente aos bons resultados alcançados.

Tendo em vista a dimensão exploratória que Luiz Braga confere ao seu processo fotográfico, devemos esperar outros encaminhamentos para o devir de sua obra. Aguardemos.”

 

Sobre o artista:

Luiz Braga. Belém, Brasil, 1956. Vive e trabalha em Belém, Brasil.

Dentre as suas exposições individuais estão: Retumbante Natureza Humanizada, Vila Cultural Cora Coralina, Goiânia, Brasil (2017); Sideral, Galeria Leme, São Paulo, Brasil (2016); Retumbante Natureza Humanizada, SESC Pinheiros, São Paulo, Brasil (2014); Nightvisions, Galeria Leme, São Paulo, Brasil (2012); Entreato da Luz, Casa das 11 Janelas, Belém, Brasil (2013); Solitude, Museu da UFPA, Belém, PA, Brasil (2011); Luiz Braga, o percurso do olhar, Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas, Belém, Brasil (2010); Estrada Nova S/N, Prêmio Porto Seguro de Fotografia, São Paulo, Brasil (2010); Vagalume, Galeria Leme, São Paulo, Brasil (2009); Retratos Amazônicos, Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo, Brasil (2005), entre outras.

Exposições coletivas: Histórias Afro-Atlânticas, MASP e Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, Brasil (2018); Modos de Ver o Brasil: Itaú Cultural 30 Anos, Oca, São Paulo, Brasil (2017); Antilogias, Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil (2017); Entre nós: a figura humana no acervo do MASP, MASP- Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo, Brasil; Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Brasil (2017); Histórias da Infância, MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo, Brasil (2016); Fronteiras Incertas: Arte e Fotografia no Acervo do MAC USP, MAC USP, São Paulo, Brasil (2014); Poder Provisório, Fotografias do acervo do MAM, Museu de Arte Moderna, São Paulo, Brasil (2014); Um Olhar sobre o Brasil – A Fotografia na Construção da Imagem da Nação, Centro Cultural Banco do Brasil, Belo Horizonte, Brasil (2013); Contemporary Brazilian Photography, Shiseido Gallery, Tóquio, Japão; O Elogio da Vertigem: Coleção Itaú de Fotografia Brasileira Maison Européenne de la Photographie, Paris, França (2012), entre outras.

Coleções: Pérez Art Museum, Miami, EUA; Photographic Resource Center at Boston University, Boston, EUA; Statoil Art Collection, Oslo, Noruega; Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil; Museu de Arte Contemporânea da USP – MAC/USP, São Paulo, Brasil; MASP (Coleção Pirelli/ MASP de Fotografia), São Paulo, Brasil; Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM, São Paulo, Brasil, entre outras.

 

 

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