Neblina | Diego Mauro e Paulo Miyada
É um enorme privilégio apresentar a obra de um artista da estatura de Evandro Carlos Jardim, que propicia reflexões amplas sobre a natureza dos processos artísticos e percepções agudas sobre o ofício da gravura.Há quem entenda a gravura como uma técnica de reprodução seriada das imagens, mas a obra de Jardim subverte esse princípio serial, aprofunda-se nas possibilidades criativas dos processos de gravação, impressão e transformação da imagem e, assim, experimenta a gravura como uma linguagem. Seu compromisso com tal linguagem já se estende por mais de sete décadas de produção – e por sua incansável dedicação ao ensino, que o levou a atuar como professor na Escola Belas Artes, na FAAP e na ECA-USP.Para oferecer um recorte pontual da ampla produção de Evandro Carlos Jardim, a curadoria de Diego Mauro e Paulo Miyada elegeu conjuntos preciosos de suas gravuras, favorecendo a comparação entre obras com diferenças sutis e similitudes notáveis, ou vice-versa. Além disso, propuseram a gravação de um relato do artista em seu ateliê, no qual comparecem algumas de suas meditações e persistências.
Para o público do Instituto Tomie Ohtake, esta é também uma oportunidade para alargar horizontes e aprofundar o olhar, em um exercício que poderá se desdobrar no contato com a mostra O Rinoceronte: 5 Séculos de Gravuras do Museu Albertina que inaugurará em setembro deste ano. Por isso, agradecemos os esforços e a parceria da Galeria Leme e, especialmente, a Evandro Carlos Jardim.
Em sua longa e coerente trajetória, o artista Evandro Carlos Jardim adotou a gravura como sua linguagem.
Poucas vezes uma sentença se ofereceu tão auto evidente para o início de um texto de apresentação de um artista. “Evandro Carlos Jardim adotou a gravura como sua linguagem”, é a verdade, assim como seria se alguém dissesse: “a gravura adotou Evandro Carlos Jardim como seu artista”. O problema, apenas, é o singular da palavra gravura, que não faz justiça à multiplicidade desse meio, sua infinita capacidade de transformação e nuance, para a qual esse artista se dedica com especial persistência, com sua “simpatia por um fazer”.
Simpatia por um fazer é como Jardim define a dedicação de cada pessoa por certo ofício, certo labor. Esta mostra se organiza em torno de um conjunto chamado “Tamanduateí contra luz”, que reúne dezenas de obras impressas desde 1980 até hoje e constitui um forte exemplo da sua simpatia. As imagens desse conjunto foram construídas a partir de uma mesma matriz de cobre, sobre a qual o artista uma vez desenhou o Palácio das Indústrias e o pilar de sustentação de um viaduto, tal como vistos desde as margens do Rio Tamanduateí. A partir desse traçado primeiro, Jardim operou a gravura como uma espécie de avesso da arqueologia, como uma prática de escavação que, ao invés de revelar um fato do passado, produz infinitos novos traçados.
O testemunho dessa fatura sem fim é feito pelas impressões, cada uma delas única. Depois de impressa, a matriz fica sujeita a novos polimentos e incisões, enquanto a própria folha impressa pode eventualmente receber riscos e acréscimos por colagem ou, mesmo, por outras matrizes de madeira. Jardim descobre assim novas formas de apalpar as mínimas e máximas variações do gravar, em uma busca que acompanha a duração do tempo e carrega alguma analogia com a sucessão de grandes e pequenos acontecimentos que perfazem a vida da cidade.
Instituto Tomie Ohtake