Parede Por Parede | João Bandeira

O que mobiliza a produção de David Batchelor são sobretudo as cores. Particularmente aquelas apropriadas das coisas de todo tipo e tamanho, de pentes a baldes a carros a placas e outras superfícies chamativas, espalhadas nas grandes cidades. Sem abandoná-las, o seu desejo de ‘dar à cor espaço para respirar’ também se movimenta historicamente por entre as reduções construtivas, os golpes cromáticos da pintura hard-edge, as objetivações ou irradiações de cor do Minimalismo de Judd e Flavin, alguma estridência da Pop, as várias encarnações do monocromo. O contato com as obras de Batchelor faz pensar num remix de uma daquelas canções de Cole Porter, onde a leveza e o peso convivem muito bem, em que rima e reiteração melódica acondicionam brilhante e incansavelmente Dante e celofane, Strauss e Mickey Mouse.

Assim é nos seus trabalhos expostos no Maria Antonia. Em conjunto, constituem um espectro que vai do vazio dos monocromos ao festival cromático dos desenhos, passando pela sobriedade contente das pinturas Blob. Parede por parede, a dominante aqui é, em princípio, a bidimensionalidade, envolvendo de algum modo a pintura, sem deixar-se envolver demais por ela. Paralelamente à existência de pintura complicada, disse Frank Stella, sempre ‘vai haver alguém que está tentando simplificar’. Sabe-se porém que, conquistada por decantação, essa simplicidade implica mais do que exibe de cara.

Por essa via, Blobs e Monocromos encontrados estabelecem um cruzamento de propriedades materiais e de leituras – o que, entretanto, se ajustaria menos ao verdadeiro laboratório de experimentação dos ‘desenhos de cor’ de Batchelor, que, sem serem exatamente nem projetos nem registros, valem por si mesmos e parecem nutrir toda a produção do artista.

Cada pintura Blob – mancha arredondada de cor brilhante, muitas vezes texturizada, derramada no centro de um fundo branco e tocando sua parte de baixo num retângulo preto, liso e fosco pintado no limite inferior do quadro – condensa em seus elementos e oposições simples muito do que é, estruturalmente falando, essencial no universo da pintura. Tal configuração, quase didaticamente abstrata, não deixa no entanto de sugerir um objeto tridimensional, talvez uma escultura laqueada (ia dizendo: uma personagem) que se apoiasse levemente em sua base.

De sua parte, os Monocromos encontrados são, por assim dizer, coisas de verdade, documentadas no ambiente urbano: placas apagadas de sinalização, estruturas vazias para propaganda, folhas, telas, portas ou seções de parede brancas etc. Colhidas na planaridade da fotografia, dividem o ordinário das ruas com o estatuto de um dos gêneros da pintura abstrata, monocromos de eloquência lacônica, pairando em meio ao confuso apelo da cidade.

João Bandeira
curador